dream. - parte 2


As gotas do céu continuavam a cair. Provavelmente estavam a chorar por mim, estavam a fazer a parte das minhas lágrimas, que não sei porque naquele momento não estavam a ser derramadas. É estranho. Se fosse com uma coisa mínima, eu já não estava a ver nitidamente, já estava tudo desfocado, as minhas lágrimas já se tinham misturado com as nuvens. Queria acreditar que elas sentiam o que eu sentia.
O mar cada vez parecia mais perigoso, cada vez parecia mais teimoso, cada vez mais… não sei. O mar estava a meter-me medo. Estava-me a fazer lembrar tudo aquilo que se tinha passado à uns minutos atrás.
Virei costas ao mar, talvez com a tentativa de pensar noutro assunto que fizesse com que o coração deixasse de apertar como apertava, mas foi em vão. Assim que virei as costas, um relâmpago caiu sobre os meus olhos que se fecharam com a intensidade deste. Abri novamente os olhos, olhei em frente. Lembrei-me do telheiro da loja de skates ali em frente. Estava farta de correr riscos de apanhar uma bela de uma constipação.
Depois de estar debaixo do telheiro, sentei-me e pus a mala preta no meu colo. Sentia uma necessidade imensa de voltar ao vício mas estava a conter-me. Na altura lembrei-me do que ele tinha dito para eu deixar tudo aquilo, mas isso ainda me fez pior. A raiva daquela besta fez com que deitasse tudo a perder. Abri a mala, tirei o isqueiro azul que a Leonor me tinha dado, procurei o maço, que já estava no final da mala porque não o usava há bastante tempo. Meti um cigarro na boca e acendi-o. Eu sei que é estanho, mas aquilo estava a fazer-me sentir melhor, brincar com o fumo que saia da minha boca estava a reconfortar-me de uma maneira inexplicavelmente boa.
O tempo foi passando mas a chuva continuava a cair. Perguntava-me se ele viria à minha procura, se ele ia ficar preocupado por eu estar fora de casa a noite toda, mas as perguntas não obtiveram resposta. Com o passar do tempo fui percebendo a resposta, fui entendendo que aquilo que ele tinha feito tinha sido um aviso para tudo aquilo que se estava a passar.
Comecei a ter dificuldade em respirar. O fumo do cigarro estava a afectar-me, o que não era costume. Normalmente fumava quatro cigarros por dia, ali, no espaço de 3 horas fumei cinco, talvez tenho sido por isso.
Os sinais de que tudo aquilo era verdade estavam a aparecer cada vez mais depressa, o tempo ia passando tanto lentamente como tão rápido que nem dava para eu pensar na minha vida e no que ia fazer dali em diante.
Olhei para o céu. Perante as nuvens todas só uma estrela brilhava, só uma se destacava, só uma se via. Juntei as mãos, e num acto de desespero disse:
- Mãe, porque partiste? Precisava de ti aqui, agora, para me ajudares a ultrapassar esta dor, para me abraçares e dizeres com as tuas palavras doces que estava tudo bem, que me amavas muito e que tudo se ia resolver.
Mas em vão, ela não me ia ouvir. Algo tinha feito com que ela partisse e não me ajudasse mais. Sim, podia crescer mais a nível de mente ou, simplesmente, tornar-me maior por necessidade própria.
Sempre me tinha ficado na memória frases que ela dizia, sinais e pistas que ela me dava para eu ter um futuro melhor, para eu aprender a minha vida calmamente. Frases, que me ensinavam a ser feliz.
Houve uma que me intrigava, uma que eu nunca tinha percebido bem o significado, ou melhor, nunca tinha passado por uma situação daquelas.
« Não trates como prioridade quem te trata como opção »
Frase simples, com nove palavras, fácil de entender, difícil de perceber e de por em prática. Se nós tratamos alguém como prioridade, essa pessoa tem de ser muito importante para nós, essa pessoa tem de ter merecido a nossa confiança em algum momento da nossa vida. Se mudou, pode deixar de ter impacto ou de fazer aquilo que fazia, mas o sentimento e a nossa maneira de a ver não vai mudar de um dia para o outro. Por muito que essa pessoa nos trate de uma maneira diferente, nos olhe de maneira diferente, nos chame de maneira diferente, nós vamos tentar que ela mude para o que era.
Talvez não devêssemos enfrentar o nosso futuro, talvez não devêssemos tentar mudar o nosso destino. Mas é complicado aceitar que a mente de outras pessoas mudou em relação a nós, é difícil perceber que essas pessoas deixaram de nos considerar prioridade, é doentio pensar que nos tratam como opção depois de tudo o que se passa, passou ou até daquilo que se poderia passar.
Por isso é que nós, na maior das vezes, continuamos a trata-las como prioridade. Pode ser que elas entendam de uma vez por todas que nós somos aquelas pessoas que lhes querem bem, que não somos opções, que simplesmente queremos vê-las com um sorriso na cara, queremos que elas sejam felizes de uma vez por todas, nem que para isso tenhamos que fazer papel de cães ou cadelas atrás de alguém.
É triste pensar que alguém que foi tão importante desistiu assim de nós, é triste perceber que depois de tantos anos a construir algo que foi tão essencial, esse essencial desaparece, deixa de ser o que era, deixa de ser prioridade para ser uma simples opção.
Era exactamente o que me estava a acontecer aquilo que me estava a acontecer. Ele não fora simplesmente um companheiro, não fora simplesmente uma pessoa a quem eu contava tudo, não fora simplesmente a pessoa em que eu mais confiava, não fora a pessoa que me fazia feliz, ele fora, sem dúvida absolutamente alguma, a pessoa da minha vida.
Era por isso que eu não queria aceitar, era por isso que eu já há uns anos, ainda o tratava como prioridade. Aquele episódio medonho serviu só e simplesmente para me chamar a atenção da minha prioridade, que até àquele momento tinha sido ele, e que agora passei a ser eu.
Acho que a minha mãe tinha pensado em tudo aquilo, a minha mãe sabia que nalgum dia eu ia passar por uma coisa assim. Afinal de contas, mãe é mãe. 

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