As gotas do céu continuavam a cair. Provavelmente
estavam a chorar por mim, estavam a fazer a parte das minhas lágrimas, que não
sei porque naquele momento não estavam a ser derramadas. É estranho. Se fosse
com uma coisa mínima, eu já não estava a ver nitidamente, já estava tudo
desfocado, as minhas lágrimas já se tinham misturado com as nuvens. Queria
acreditar que elas sentiam o que eu sentia.
O mar cada vez parecia mais perigoso, cada vez parecia
mais teimoso, cada vez mais… não sei. O mar estava a meter-me medo. Estava-me a
fazer lembrar tudo aquilo que se tinha passado à uns minutos atrás.
Virei costas ao mar, talvez com a tentativa de pensar
noutro assunto que fizesse com que o coração deixasse de apertar como apertava,
mas foi em vão. Assim que virei as costas, um relâmpago caiu sobre os meus
olhos que se fecharam com a intensidade deste. Abri novamente os olhos, olhei
em frente. Lembrei-me do telheiro da loja de skates ali em frente. Estava farta
de correr riscos de apanhar uma bela de uma constipação.
Depois de estar debaixo do telheiro, sentei-me e pus a
mala preta no meu colo. Sentia uma necessidade imensa de voltar ao vício mas
estava a conter-me. Na altura lembrei-me do que ele tinha dito para eu deixar
tudo aquilo, mas isso ainda me fez pior. A raiva daquela besta fez com que
deitasse tudo a perder. Abri a mala, tirei o isqueiro azul que a Leonor me
tinha dado, procurei o maço, que já estava no final da mala porque não o usava há
bastante tempo. Meti um cigarro na boca e acendi-o. Eu sei que é estanho, mas
aquilo estava a fazer-me sentir melhor, brincar com o fumo que saia da minha
boca estava a reconfortar-me de uma maneira inexplicavelmente boa.
O tempo foi passando mas a chuva continuava a cair.
Perguntava-me se ele viria à minha procura, se ele ia ficar preocupado por eu
estar fora de casa a noite toda, mas as perguntas não obtiveram resposta. Com o
passar do tempo fui percebendo a resposta, fui entendendo que aquilo que ele
tinha feito tinha sido um aviso para tudo aquilo que se estava a passar.
Comecei a ter dificuldade em respirar. O fumo do
cigarro estava a afectar-me, o que não era costume. Normalmente fumava quatro
cigarros por dia, ali, no espaço de 3 horas fumei cinco, talvez tenho sido por
isso.
Os sinais de que tudo aquilo era verdade estavam a
aparecer cada vez mais depressa, o tempo ia passando tanto lentamente como tão
rápido que nem dava para eu pensar na minha vida e no que ia fazer dali em
diante.
Olhei para o céu. Perante as nuvens todas só uma
estrela brilhava, só uma se destacava, só uma se via. Juntei as mãos, e num
acto de desespero disse:
- Mãe, porque partiste? Precisava de ti aqui, agora,
para me ajudares a ultrapassar esta dor, para me abraçares e dizeres com as
tuas palavras doces que estava tudo bem, que me amavas muito e que tudo se ia
resolver.
Mas em vão, ela não me ia ouvir. Algo tinha feito com
que ela partisse e não me ajudasse mais. Sim, podia crescer mais a nível de
mente ou, simplesmente, tornar-me maior por necessidade própria.
Sempre me tinha ficado na memória frases que ela
dizia, sinais e pistas que ela me dava para eu ter um futuro melhor, para eu
aprender a minha vida calmamente. Frases, que me ensinavam a ser feliz.
Houve uma que me intrigava, uma que eu nunca tinha
percebido bem o significado, ou melhor, nunca tinha passado por uma situação
daquelas.
« Não trates como prioridade quem te trata como opção
»
Frase simples, com nove palavras, fácil de entender,
difícil de perceber e de por em prática. Se nós tratamos alguém como
prioridade, essa pessoa tem de ser muito importante para nós, essa pessoa tem
de ter merecido a nossa confiança em algum momento da nossa vida. Se mudou,
pode deixar de ter impacto ou de fazer aquilo que fazia, mas o sentimento e a
nossa maneira de a ver não vai mudar de um dia para o outro. Por muito que essa
pessoa nos trate de uma maneira diferente, nos olhe de maneira diferente, nos
chame de maneira diferente, nós vamos tentar que ela mude para o que era.
Talvez não devêssemos enfrentar o nosso futuro, talvez
não devêssemos tentar mudar o nosso destino. Mas é complicado aceitar que a
mente de outras pessoas mudou em relação a nós, é difícil perceber que essas
pessoas deixaram de nos considerar prioridade, é doentio pensar que nos tratam
como opção depois de tudo o que se passa, passou ou até daquilo que se poderia
passar.
Por isso é que nós, na maior das vezes, continuamos a
trata-las como prioridade. Pode ser que elas entendam de uma vez por todas que
nós somos aquelas pessoas que lhes querem bem, que não somos opções, que simplesmente
queremos vê-las com um sorriso na cara, queremos que elas sejam felizes de uma
vez por todas, nem que para isso tenhamos que fazer papel de cães ou cadelas
atrás de alguém.
É triste pensar que alguém que foi tão importante
desistiu assim de nós, é triste perceber que depois de tantos anos a construir
algo que foi tão essencial, esse essencial desaparece, deixa de ser o que era,
deixa de ser prioridade para ser uma simples opção.
Era exactamente o que me estava a acontecer aquilo que
me estava a acontecer. Ele não fora simplesmente um companheiro, não fora
simplesmente uma pessoa a quem eu contava tudo, não fora simplesmente a pessoa
em que eu mais confiava, não fora a pessoa que me fazia feliz, ele fora, sem
dúvida absolutamente alguma, a pessoa da minha vida.
Era por isso que eu não queria aceitar, era por isso
que eu já há uns anos, ainda o tratava como prioridade. Aquele episódio medonho
serviu só e simplesmente para me chamar a atenção da minha prioridade, que até
àquele momento tinha sido ele, e que agora passei a ser eu.
Acho que a minha mãe
tinha pensado em tudo aquilo, a minha mãe sabia que nalgum dia eu ia passar por
uma coisa assim. Afinal de contas, mãe é mãe.