medo.

Tu pensas que tens medo da morte, mas, na realidade, do que tu tens medo é da vida. Sem vida não há morte, e todos os dias tu corres o risco de partir, corres o risco de não acordar mais, e nunca mais voltares a ver as pessoas que realmente amas. Tu tens medo do que está para além disso. Tu não sabes se há vida depois da morte, não sabes se o céu ou o inferno existem. Tu pensas que sabes o que vais fazer do teu futuro, mas na realidade tu és simplesmente um boneco do destino que te obriga a fazeres aquilo que ele quer. Tu não controlas os outros, o mundo não gira à volta dos teus sentimentos, os outros não são comandados por ti.
Tu não podes viver a tua vida com medo do escuro, porque na realidade não é o escuro que te atormenta, é sim o que lá possa estar, é sim os segredos de algo que tu não consegues ver nem controlar, é sim o medo do desconhecido, o receio do que possa aparecer num espaço onde tu não consegues ver, porque os teus olhos não vêm algo que não esteja iluminado.
Tu achas que tens medo da solidão, mas, sinceramente, tu não tens. Não tens porquê? Porque tu tens medo de ti mesmo. Tu não ficas só de um momento para o outro, não ficas sem ninguém porque sim, tu ficas sem ninguém porque tu o provocaste. Tu ficas só, simplesmente porque erraste, porque não fizeste o que tinha de ser feito. Tu não tens medo da solidão, a solidão é só uma consequência dos teus actos, é só um depois de um antes errado.
Tu não tens medo de cair, tu na realidade tens medo de estar levantado. É estranho porque tu todos os dias corres o risco ter uma recaída, corres o risco de ires a baixo, e por algum motivo que nem tu percebas, cais. A culpa não é da queda, mas sim daquilo que te mantinha em pé, a culpa é daquilo que não teve força para te segurar, não teve força para não te deixar cair quando estavas prestes a faze-lo, a culpa é toda das forças que juraram lealdade e não a cumpriram.
Tu não tens medo de ninguém, tu tens medo das atitudes desse alguém, porque são elas que te fazem pensar e tirar conclusões sobre a vida de uma pessoa que tu não conheces realmente. Ninguém é macabro por natureza, ninguém faz coisas horríveis porque quer, as pessoas, tal como tu, têm dias piores, pessoas que não suportam e atitudes que não são as melhores. Ninguém tem culpa de ser como é, todos nós, tu, eu e todos os outros, somos assim, somos incompreensíveis de certa maneira e tão maravilhosos de outra. Tu não tens medo de ninguém, simplesmente tens medo da tua interpretação das atitudes e dos problemas dos outros.
Tu não tens medo da tristeza, na realidade, tu tens medo da felicidade. Sinistro não é? Mas a cada palavra que tu dizes, a cada palavra que tu ouves, a cada momento que tu passas, a cada sorriso que tu dás, há alguém no mundo a chorar, alguém no mundo com a cabeça debaixo da almofada, há alguém a sofrer. Para tu estares feliz, há sempre alguém que se sacrifica, há sempre alguém que está triste, há sempre alguém que não está feliz. Quando é ao contrario, eu sei que tu passas na rua e te sentes cada vez pior quando vês alguém feliz, parece que nada é justo e que só queres desaparecer, só queres voltar para o lugar de onde vieste e não sair do teu quarto. 

dream. - parte 1



Era uma noite escura  e tempestuosa.
As ruas estavam desertas. O silencio predominava pela minha cidade. Eu caminhava no passeio preto e branco, em direcção à praia. Não sei bem porque, mas a saudade daquela paisagem era grande, posso até dizer imensa. Perguntei à Leonor se queria vir comigo, chamou-me maluca mas não percebi bem o porquê. Eu só queria regressar àquele lugar, naquele momento, naquela circunstância.
Ainda era um bocado longe mas não me apeteceu pegar no carro. Queria percorrer aquele percurso como fazia antes, talvez para matar a saudade que pensava que já estava extinta há bastante tempo.
As montras ainda me fascinavam, a minha loja favorita continuava igual. Estranho mas, não sabia há quanto tempo não passava ali, não me lembrava da última vez que os meus olhos tinham brilhado para aqueles vestidos que me fascinavam.
As memórias do passado feliz estavam a regressar à minha cabeça, estavam a fazer-me sorrir sem algum motivo aparente.
Os becos sem saída que se aproximavam, sempre tiveram ar sinistro e sobrenatural. Passei, olhei para o outro lado da estrada, preferia não olhar do que ver como eram novamente.
De repente, quando olhei para a frente, algo passou entre as minhas pernas. Assustei-me. Olhei instintivamente para trás mas não vi nada. Asselarei o passo aterrorizada e o meu coração batia cada vez mais depressa.
O odor do mar já se sentia no ar mas eu sentia-me perseguida. Parecia-me ouvir a respiração de alguém mas, sempre que olhava para trás, não estava lá nada. O frio parecia aumentar mas, cada vez me incomodava menos, talvez devido ao medo e receio que estavam em mim naquele momento ou , talvez porque já via a praia.
Fui andando até que cheguei. Pus-me em pé em cima de um corrimão azul mal pintado, que sempre tinha sido assim. Abri os braços. O meu casaco vermelho esvoaçava com o vento e as minhas pernas estavam a fazer um esforço para se aguentarem. O meu cabelo castanho e louro devia estar todo despenteado mas, eu sentia-me tão bem.
Sentei-me na areia e descalcei-me. Olhei para trás, num movimento reticente, com medo daquilo que lá pudesse estar visto que a praia estava completamente deserta. Vi uns pés.
Levantei-me num salto, e arregalei os meus olhos simples de cor, pus a mão à frente da boa e fiquei a olhar para aquilo que estava ali comigo. Custava-me aceitar que aquilo me estava a acontecer, a minha mente não estava a acreditar e comecei a pensar que a Leonor tinha razão, estava a ficar maluca.
Não era possível. Como é que ele tinha dado pela minha falta em casa? Andava tão atarefado nos últimos tempos que nem tinha tido tempo para me dar atenção. Não reparava como é que estava vestida, não dizia que eu estava bonita. Nada, nos últimos tempos era assim.
- Assustaste-me ! O que é que estás aqui a fazer? – disse.
- Vim ver o que andavas a fazer. Afinal de contas ainda és da minha responsabilidade. Já para casa!
Começou a chover. Eu não queria acreditar que ele estava a falar daquela maneira comigo.
- Não ! Apetece-me ficar aqui.
Nesse momento deu-me um estalo. Estava diferente, via a raiva nos seus olhos. Agarrei nos meus sapatos, virei-lhe costas e comecei a correr em direcção ao mar. Ele chamou-me mas eu não liguei, virei à direita e corri até me cansar.
O meu cabelo estava encharcado e o meu casaco vermelho tinha mudado de cor. Parei porque já não aguentava mais de cansaço e, olhei para o mar.
Seria tudo aquilo verdade ou seria simplesmente um sonho do qual eu queria acordar ?